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Frei Marcos Juchem Júnior tem encontro com o papa Francisco

O religioso destaca o carisma e a sabedoria do sumo pontífice da Igreja Católica

13/12/2014
Frei Marcos, no encontro com o papa Francisco (Foto: Arquivo pessoal)

Frei Marcos, no encontro com o papa Francisco (Foto: Arquivo pessoal)

Com boa parte da família residente em Santa Teresinha, Bom Princípio, frei Marcos Juchem Júnior pertence à Ordem dos Carmelitas Descalços. Atualmente, seu encargo o faz residir em Roma e viajar por vários países. Na quinta-feira, 11 de dezembro, frei Marcos teve a oportunidade de participar de uma missa celebrada pelo papa Francisco. Acompanhe, abaixo, entrevista com o religioso.

 

 

O entrevistado

               

Sou frei Marcos Juchem Júnior, nascido em Montenegro, no Vale do Caí, na localidade de Santa Teresinha, hoje município de Bom Princípio. Sou o sexto filho, de um total de treze, do casal Marcos Juchem e Adela Silvia Selbach Juchem, ambos vivos, o pai com 94 anos e a mãe com 91, residentes em Santa Teresinha, Bom Princípio. A ordem à qual pertenço é dos Carmelitas Descalços. Entrei na Ordem Carmelita em 1965, quando tinha 12 anos. E tenho hoje o encargo de definidor-geral para toda América Latina e o Caribe e ainda para alguns serviços em países na Europa, num total de 40.

 

 

A Ordem dos Carmelitas Descalços

 

A Ordem dos Camelitas Descalços tem a sua origem no Oriente Médio, em Israel, nos anos de 1250. O nome vem justamente do bíblico Monte Carmelo, carmelitas, situado em Israel, entre a Samaria e Galileia de então. Até hoje, nos encontramos presentes na Terra Santa, com três conventos de frades e quatro conventos de nossas monjas, as irmãs carmelitas.

 

Por ser uma ordem tão antiga, em 1562, tivemos uma reforma, feita por Santa Teresa de Ávila, que nasceu em 1515. Assim sendo, estaremos celebrando, em 2015, os 500 anos do seu nascimento. Santa Teresa de Ávila, por ser da cidade muralhada de Ávila, Espanha, ou conhecida por seu nome religioso, Santa Teresa de Jesus. É ela a primeira mulher doutora da Igreja Católica, autora de diversos livros espirituais, nos quais relata sua experiência de profunda relação com Deus. Suas obras continuam hoje sendo lidas e estudadas. Sinal disso é o importante centro de estudos que nós carmelitas temos na cidade de Ávila. Para ali se dirigem pessoas de todos os continentes, na busca da sua ciência e experiência. A missão desse carmelo teresiano é justamente viver e difundir na Igreja a vida mística, quer dizer, uma vida radicada no profundo de cada pessoa, sua relação com Deus, conosco mesmos e o nosso próximo, as pessoas do nosso relacionamento.

 

Somos frades e irmãs. As irmãs, conhecidas pelo tipo de sua vida, são contemplativas, vivendo na clausura, não tendo outros serviços pastorais. No Brasil, temos 56 conventos das irmãs carmelitas e 20 conventos de frades. Bastante conhecida é a Santa Teresinha do Menino Jesus, uma irmã carmelita francesa, nascida em 1872 e que morreu em 1897. Ela é a terceira mulher doutora da Igreja. Parece-nos que essas Teresas, doutoras, descobriram e viveram a profundidade do nosso específico humano, que é a relação de amizade com Deus, que é Pai, em seu Filho Jesus Cristo, incluindo, assim, a nós mesmos, o eu e o tu, em nós, uma relação em plural.

 

 

O trabalho pastoral

 

O definidor-geral reside em Roma, onde somos nove membros, que temos a responsabilidade de animar toda a ordem, presente em 120 países. Esse encargo é exercido por seis anos. A cada seis anos, se reúnem todos os superiores carmelitas, do mundo inteiro, numa assembleia, chamada de capítulo-geral, que serve para a eleição da nova equipe diretiva. Fui eleito para minha atual tarefa no último capítulo-geral, ocorrido em Fátima, Portugal, em abril de 2009.

 

Em Roma, onde residimos, nos reunimos a cada três meses, para avaliar e programar como animar nossos religiosos no mundo. Na maior parte do tempo, viajamos, visitando os conventos que estão sob nossa responsabilidade. Na América Latina, temos 300 conventos, de frades e irmãs carmelitas. Ao visitar a esses conventos, presentes em todas as geografias, desde a Patagônia ao México, ora se está na costa do Pacífico, ora no Atlântico, ao nível do mar ou a mais de quatro mil metros de altura, como nas cidades da Cordilheira dos Andes.

 

 

Encontro com o Papa

 

Aqui em Roma, além do nosso empenho na cúria-geral da ordem, participamos de eventos diversos no Vaticano, de celebrações, temos contato de modo geral com o Papa, como também contato em particular. Assim, estive, no dia 11 dezembro, quinta-feira, participando da missa em reservado com o papa Francisco, às 07 horas da manhã. Nessa época do ano, inverno em Roma, é ainda escuro nesse horário, ao me dirigir à Casa Santa Marta, casa para hospedagem dentro do Vaticano, onde o papa Francisco decidiu ter sua residência, não indo aos assim chamados palácios apostólicos.

 

Na Casa Santa Marta, está a pequena capela, que é a sede da Paróquia do Vaticano, onde o Papa, todas as manhãs, celebra a santa missa. Assim, justo às 07 da manhã, o Papa entra, revestido de simples sacerdote, para celebrar. Estivemos presentes uns poucos padres e um pequeno grupo de leigos. Após a missa, o santo padre nos recebe em particular, com interesse, curiosidade e paciência, como se nada tivesse que fazer depois durante todo o dia. Ele pergunta e se interessa, tendo uma memória espetacular e um humor e alegria contagiantes.

 

 

Impressões sobre o papa Francisco

 

Muitíssimas coisas poderíamos já dizer sobre o papa Francisco, o argentino Jorge Mario Bergoglio, com menos de dois anos de eleito. A eleição foi no dia 13 de março (mês 3) de 2013, uma data com muitos “3”. Nesse dia, eu estava na Praça de São Pedro, nesse final de tarde romana, um pouco fria e chuvosa, e dizia a um confrade meu que se tratava de uma data cabalística, o número “3” tão significativo, um número de plenitude, cabal. Dizia que veríamos pronto a fumaça branca, o novo papa seria eleito hoje. E justo às 19 horas, começa a sair a fumaça, primeiro escura e logo branca.

 

"Habemus papam", “Temos papa”. Toda a praça é tomada por uma emoção única, com o tocar dos enormes sinos, os mais famosos do mundo, da Basílica de São Pedro. Os presentes cantam, gritam, pulam, se abraçam, nas mais diversas formas se manifesta a alegria incontrolável. Lembro-me do ano de 1978, ano das eleições de dois papas, João Paulo I e João Paulo II, quando o jornalista gaúcho Cândido Norberto dizia, emocionado: "Quero dizer senhores, se não se deixar levar pela grande emoção que varre a Praça de São Pedro".

 

Desde o primeiro instante, há uma sintonia muito grande, quando o cardeal Bergoglio, agora papa Francisco, se apresenta no balcão da Basílica e nos saúda com um “Boa noite”. E, após umas breves palavras, pede, inclinando-se, que rezemos por ele e que o abençoemos, antes de nos dar a bênção Urbis te Orbis, isto é, a benção para a cidade de Roma e o mundo.

 

Um fato que ainda estamos vivendo e que a história revelará é que o primeiro papa latino-americano é um homem sábio. De fato, é a palavra que encontrei para defini-lo, um homem sábio. Todos sabemos que um sábio é alguém que tem um conhecimento não superficial, e sim um conhecimento profundo. Conhecimento esse que não é uma coisa de inteligência somente, mas sim conhecimento que se transforma em vida, em testemunho, em diálogo, em comunicação, conhecimento que contagia. Dessa maneira, o papa Francisco é um sábio, na dimensão espiritual, cristã e humana. A ele, podemos aplicar a afirmação bíblica: "Cresceu em sabedoria e graça".

 

Aqui em Roma, aumentou em muito o número de turistas, em muitos lugares é até difícil caminhar. Eu afirmo que toda essa gente não vem para Roma somente para ver um ancião vestido de branco, que reza e tem alguma aparição em público. O povo vem a Roma buscar algo mais, esse algo é transmitido pelo papa Francisco, pelos meios de comunicação. Qual a causa dessa comunicação tão forte e envolvente do papa Francisco? Ele é apontado pelo mundo como um grande comunicador, talvez o maior de hoje. Creio que são várias as causas (veja na sequência).

 

 

Qualidades do sumo pontífice

 

1. Um homem de profunda capacidade de simpatia e empatia, quer dizer, sabe ver além do exterior, valoriza e compreende a pessoa, a ama, sobretudo quando a vê carregada de sofrimentos e dificuldades.

 

2. A simplicidade da sua comunicação. Não utiliza palavras e raciocínios complicados. Como dizia antes, é um homem sábio, que o faz simples, sem complicações. Ele é tão simples e direto na sua comunicação que somente um sábio consegue ser tão simples e convincente.

 

3. Se comunica sobretudo pelo testemunho, pelos gestos. Não é exageradamente acadêmico. Se diz que somos pecadores, ele diz que é o primeiro pecador. Se diz que procuremos a Cristo e a Deus para as nossas vidas, ele é o primeiro a procurá-los. Se diz que amemos e ajudemos aos pobres e necessitados, ele é o primeiro a fazê-lo. Se nos diz que confessemos os nossos pecados, o faz a cada 15 dias. Se pede que rezemos, ele é primeiro a rezar. Se pede que sejamos servidores, ele é o primeiro a servir, a ter "cheiro de rebanho, de ovelha". Se pede para sermos empreendedores, é o primeiro a empreender.

 

4. É um homem transparente e pede transparência para a Igreja. Aqui o vemos sem estardalhaços e gritos, realizando com determinação uma reforma em toda a Igreja, dentro do próprio Vaticano. Reforma e mudança na conduta dos cristãos todos, a nível pessoal, administrativo e econômico. Diz que somos pecadores, é da nossa condição, mas que não sejamos corruptos e mafiosos.

 

5. Se comunica com um jeito de ser, ao vivo, diante de dezenas de milhares de pessoas, com seus gestos, o aceno com a mão, o polegar erguido, ok, positivo, obrigado! Afaga as crianças, anciãos, enfermos e que dizer daquele abraço a um homem que tem toda a cabeça e rosto deformados por uma enfermidade? O Papa o abraça e o achega para si e depois esse homem diz: “A partir daí, minha vida mudou".

 

6. Porque o Papa fala uma linguagem atual, de temas atuais, de valores dos quais todos temos necessidade, entre os quais se destacam: A) o respeito pela dignidade da pessoa humana, que não pode ser usada, explorada, empobrecida, escravizada, descartada; B) a família, todos estamos acompanhando o sínodo sobre a família; C) a insistência pela paz, o colocar fim aos conflitos armados e à fabricação de armas, sobretudo as de destruição atômica; D) os perseguidos pelas guerras, cristãos perseguidos e martirizados, migrantes em busca de melhores condições de vida; E) a compreensão, o diálogo, a misericórdia, isso é, que compreendamos os erros, as imperfeições e pecados, alheios e nossos. Que todos somos necessitados disso e que Deus, em primeiro lugar, é diálogo, graça, misericórdia, perdão. Como ele diz: "Deus nunca se cansa de perdoar, nós é que nos cansamos de pedir perdão". O Papa não é um pastor que anda com um bastão numa mão e, na outra, com o Direito Canônico, dando golpes nas ovelhas, muito menos nos necessitados, abandonados, sofridos, pessoas com suas famílias desfeitas.

 

7. Transmite uma mensagem alegre. Em sua encíclica "A alegria do Evangelho”, apresenta uma visão positiva de Deus, de Cristo e da sua Igreja e pede que a Igreja não seja uma aduana pesada, controladora da graça e do sagrado, que imponha fardos pesados. Alegria que não significa dar gargalhadas, e sim é uma paz profunda, em meio, inclusive, aos problemas e dificuldades da vida.

 

 

Mensagem do Papa ao Vale do Caí

 

Qual a mensagem direta do papa Francisco aos habitantes do Vale do Caí? As pessoas o conhecem um pouco pelos meios de comunicação, mas o querem mais próximo. Transmitindo ao Papa como é a nossa região do Vale do Caí, de como vivem, se ocupam e trabalham os seus moradores, o Papa deixa uma mensagem.

 

Que muito se alegra de como vocês vivem, do trabalho feito com tanto empenho e dignidade, o cultivo da terra, na produção de alimentos, sobretudo frutas, as mais variadas, cítricos, amoras, morangos, hortigrangeiros. Os aviários e suínos, os tambos de leite. A indústria de transformação, as cerâmicas, as serrarias, os móveis, os utensílios de limpeza, servindo toda a região  na construção civil, os serviços de saúde e educação, comércio, etc....

 

E o Papa valoriza muito e agradece, pois acolhem também aos migrantes que vem de longe, da África, do Haiti, gente pobre, que enfrenta grandes sacrifícios, a questão da língua e, sobretudo, as viagens cansativas e feitas na expectativa e insegurança: “Vou chegar, vou conseguir sobreviver?”, deixando para trás seus amigos, parte da família e amigos.

 

O Papa também diz à população do Vale do Caí que, assim como trabalham com tanto empenho pelas necessidades diárias, não trabalhem só para conseguir dinheiro e comprar coisas materiais,  a televisão, um computador, um celular, material para construir uma casa, comprar um carro, ter um dinheiro para ir ao baile, deixando-se escravizar pelo consumismo, a diversão descontrolada deixando-se explorar... Que vocês também trabalhem e busquem os valores que dão um sentido importante para a vida de vocês.

 

Ele insiste e pede que vocês também olhem com carinho para a realidade da família na qual nasceram, sabendo das grandes dificuldades que enfrentaram os imigrantes, constituindo famílias, que, na verdade, são escolas para a vida. Constatamos as dificuldades das famílias, não só dificuldades de moradia, comida e trabalho, mas o desafio de constituir a família, o continuarem unidos. Aqui é importante se dar conta que não vamos pensar e julgar as famílias desfeitas, dos pais que se separaram, de tantos jovens que têm dificuldade em assumir um matrimônio estável. E sim vamos olhar para todas as famílias, a minha família. Ninguém de nós é perfeito, nem a Igreja é perfeita, ouvimos e sabemos das notícias ruins e defeitos graves que ela tem em seus membros. Assim, as famílias são constituídas por pessoas, que erram, têm inseguranças, mas que desejam mesmo se equilibrar, fortalecer, para que seus filhos tenham o melhor, onde até é bastante fácil dar presentes e brinquedos, porém é importante, pois cada um de nós quer e sabe que  necessita ter para si uma família alicerçada sobre o amor, e educada nos valores perenes.

 

O pai e mãe são presença, educação e segurança junto aos filhos, o que requer, muitas vezes, um grande esforço, no entanto, que vale a pena. Como é grande, incomparável, o casal poder gerar novas vidas, vidas essas que precisam de seu lugar específico, que não se improvisa, lugar esse que podemos chamar de sagrado, pois a vida humana é sagrada, sempre, destinada a um fim de realização no bem, na dignidade, na fraternidade.

 

O Papa, sabendo que uma das pontes sobre o rio Caí, na RS 122, em Bela Vista, está em reforma, diz que é assim na nossa vida. Precisamos de duas pontes, uma por onde transitam nossas riquezas materiais. A outra ponte por onde transitam nossos valores e riquezas humanas e espirituais. Às vezes, precisamos reformar uma ou outra ponte. Uma ponte só é muito pouco, não dá conta de transportar o que somos, toda a nossa imensa riqueza interior. Tendo só uma ponte, há o perigo de nos acidentarmos, como o que tem acontecido nessas pontes, tirando vidas e atrapalhando em muito, com prejuízos materiais e vidas perdidas, algo incalculável e inconsolável.

 

 

Mensagem final do frei Marcos

 

Assim, estimados leitores, o encontro com o papa Francisco é importante, emocionante e, sobretudo, de grande valor. Continuemos nos encontrando com ele, escutando seus ensinamentos e imitando seus gestos. Finalizo desejando a todos um Natal abençoado e que o Menino Jesus encontre em cada coração um cantinho simples, mas cheio de bem-querer, pois assim vocês terão um ano de 2015 pleno de realizações.

 

 

Edição: Mery Regina Griebler

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